Total de visualizações de página

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

"Qualquer semelhança com a realidade é apenas uma coincidência. Essa é uma obra de ficção".



Ao assistir ao filme "Tropa de Elite 2" do diretor José Padilha, voltei, por alguns momentos durante a exibição, a ter 16 anos. Época em que eu havia lido recentemente "As Veias Abertas da América Latina" do Eduardo Galeano, "1964: A Conquista do Estado" e "A Internacional Capitalista", ambos de René Dreifuss. Caramba! Voltei a sentir aquele gosto agridoce palatável do auge de minha esquerdofrenia juvenil, ainda brizolista, e com a "marra" pueril de que só uma revolução mudaria o Brasil para melhor, nem que fosse uma revolução cultural, mas na base da porrada!


"Oh! que saudades que tenho




Da aurora da minha vida,




Da minha infância querida




Que os anos não trazem mais!




— Que amor, que sonhos, que flores,




Naquelas tardes fagueiras




À sombra das bananeiras




Debaixo dos laranjais!"




Abreu, Casimiro de (1837-1860); "MEUS OITO ANOS."




Ainda, durante o transcorrer das cenas deste excelente filme, voltei a sentir o amargo do amadurecimento escorrer, através de minha saliva, garganta adentro e o fluido, quente e salgado, de meu suor de homem feito, cidadão e professor da rede pública de ensino ensopar as palmas de minhas mãos e as solas de meus pés. Isto é, estava aos poucos caindo na real, voltando ao mundo como ele é e, talvez, sempre tenha sido. Nessa hora, a bibliografia que tatuava o meu coração e contaminava o minha razão era a do "Manual do Verdadeiro Idiota Latino Americano", da "Volta do Idiota", ambos de Alvaro Vargas Llosa e outros, da "A Questão da Ideologia" do Leandro Konder, dos "Ensaios Céticos" do Bertrand Russell, do "Crime e Castigo" do Dostoiévski, do "Trinta Anos Esta Noite - 1964 O Que Vi e Vivi" do Paulo Francis etc, passando por Gilberto Freyre, Carlos Lacerda, Roberto Campos e outros.
Meu Santo e Divino Ser da mitologia ocidental! A essa altura do filme, minha cabeça fervilhava, entrava em ebulição, deixando o meu cérebro em puro plasma. Minh'alma se contorcia diante do antes, do agora e do que virá depois.


Não que o filme tenha superado minhas expectativas acerca das informações que seriam por ele disponibilizadas, muito menos pelas excelentes atuações do elenco, mas pela reação causada pela maioria de quem assistiu-lhe, deixou-me a impressão de que de nada ou pouco valeram as mensagens intrínsecas transmitidas pela trama.
Houve gente que riu, houve aqueles que aplaudiram ao fim da película e até aqueles que suspeitaram ter assistido a uma espécie de denúncia. Tudo fora válido, mas muito superficial.
Tem, por exemplo, a trama de um deputado que nada faz além de barulho para se promover e que, no fim das contas, depende do herói central, um ex policial, incorruptível e violento, que lhe viabiliza a ação e a tal promoção que tanto almejara. A dupla por sinal, deputado "mocinho" e ex policial herói, travam dramas inter pessoais que rendem bons momentos dramáticos dentro da trama.
Demonstra, a narrativa, também uma sociedade infantilizada porém nada ingênua, que apóia e elege representantes baseados em farsas toscas e populistas, mas que afagam a lacuna paternalista deixada por um legado político enraizado em nossa cultura histórica de poder.
Lembrei, em diversas passagens da trama, do velho e preciso jargão que diz que, cada povo tem os governantes que merece.
Também não me privei de correlacionar personagens de nossa cultura política e de nossa história recente, onde a identificação é verossímil com alguns ícones populares, acima do bem e do mal. Alguns deles ainda presentes (e respeitados) em nosso cotidiano.
Agora, o que mais me impressionou, foi ver como a nossa democracia é "photoshopada" e superestimada, e como ainda vivemos sob a mira da repressão, só que agora com maior sofisticação e até com mais crueldade do que em outrora. Nossa liberdade, segundo a narrativa e o enredo da trama, é semelhante a de outro filme, Mtrix, dos irmãos Wachowski, uma ficção científica que ilustra, com razoável competência, a farsa de nossa liberdade condicionada à manipulação do sistema. Isso! "Tropa de Elite 2", de uma certa forma, nos remete a uma Mtrix contemporânea e real, onde todos somos "plugados" e podemos ser conectados e desconectados à mercê dos interesses do sistema. Quem não estiver compreendendo a analogia, reflita acerca de nossa classe política, em todas as esferas, municipal, estadual e federal, do legislativo ao executivo, estão todos lá, raramente representando os nossos interesses, mas legitimados pela escolha da maioria. Não há um vereador ou prefeito, um deputado ou governador, um senador ou presidente da república que tenha entrado através do viés biônico ou por indicação de apadrinhados. Todos, corruptos, assassinos, meliantes, fisiologistas, mensaleiros, canalhas e picaretas, todos entraram pela porta da frete, legitimados pela farsa democrática do voto da maioria. Ou seja, não são os políticos que não prestam, mas sim quem os elege! O sistema somos nós e, se não há dolo, sobra culpa. Culpa daqueles que ainda acreditam numa esquerda romântica e irresponsável, culpa daqueles que permanecem num bunker juvenil de uma luta imaginária contra um sistema para o qual contribui com atitudes e crenças pueris e culpa daqueles que se omitem diante do amadurecimento social, preferindo acreditar naquilo que lhes convém. Como bem dizia Bertrand Russell, "aquilo que os homens de fato querem não é o conhecimento, mas a certeza."
Tropa de Elite 2 é uma tijolada no saco daqueles que têm um mínimo de capacidade analítica e crítica, não se sai impune deste filme, nem para o bem e nem para o mal. Quem, ao final de sua exibição, não sentir um calafrio na espinha e uma sensação de que vive sob uma farsa democrática, com certeza já está lobotomizado 
como os "ingênuos" e desesperados seguidores daquelas seitas radicais e apocalípticas, que conduzem todos os seus cordeiros ao suicídio coletivo, mas que até isso, os obriga a cometer atos de atrocidades vis, contra si e contra os outros semelhantes.
É muito mais que uma denúncia, é um alerta. É um filme quase que didático, uma afronta à ingenuidade, ao populismo romântico e à imaturidade democrática que ainda persiste, sobretudo naqueles que insistem nas certezas e temem o conhecimento!
Mas, como destacado no seu início, "qualquer semelhança com a realidade é apenas uma coincidência. Essa é uma obra de ficção".

Nenhum comentário:

Postar um comentário