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domingo, 16 de janeiro de 2011

O CATACLISMO SEM CORTES NA SERRA

Entrada da pousada


11 de janeiro de 2011, após duas cervejas com a família em Lumiar, distrito encantador da cidade de Nova Friburgo (RJ), percebo que a chuva insiste em intensificar-se e literalmente aguar a minha "Antárctica". A partir disso, investimos na idéia do retorno para a nossa pousada na estrada que liga os distritos de Mury e de Lumiar, visto que, além da chuva, a noite também se intensificava.
Já na estrada rumo à pousada, a chuva torna o caminho uma aventura preocupante. Mas, para alívio de todos no carro, conseguimos chegar à pousada por volta das 22h 30min, molhados e tensos, mas sãos e salvos.
Entramos no quarto, trocamos de roupa e ligamos a TV, mas a chuva insistia em nos lembrar de sua intensa presença, através de suas sinestésicas ações, trovoadas, clarões, goteiras, falta de sinal de tv e até falta de energia, até o estrondo maior, dois deles! Estranho, trovoadas sem clarões! (?) Ainda assim, dormimos.
12 de janeiro de 2011, cerca de 8h, acordo em meio ao frio matinal do verão serrano e ainda sem energia. Céus! Como irei tomar banho com aquela água gelada, que já me desafiava enquanto lavava o rosto e escovava os dentes? Antes fosse essa a minha maior preocupação a partir daquele dia!
Ao chegar à sacada do meu quarto deparo-me com a visão da tragédia, o morro em frente nú e jorrando água em queda vertiginosa, mas ainda não tinha idéia de suas dimensões.
Estrada não havia mais. Ainda sem energia e sem comunicação. Isolamento total. Total confinamento!
Sem receber e sem poder dar notícias. Exercício de paciência e de gerenciamento de esperança. Sobrava medo, apreensão, angústia e dúvidas. O que de fato aconteceu naquela noite? Até onde foi o alcance da tragédia? Qual foi o tamanho da tragédia? Etc, etc, etc et al...
Enquanto já tomávamos o café da manhã em companhia dos outros hóspedes, dois funcionários da companhia elétrica local, testemunhas in loco do deslizamento, nos relatou suas respectivas experiências enquanto tentavam restabelecer a energia na região. Relatos aterrorizantes! Agora, também confinados ali, compartilhando suas experiências, nossas angústias e nossas apreensões.
Entretanto, ao fim da tarde, eis que enfim conseguem, através do rádio de sua picape, entrarem em contato com a empresa para que trabalham, uma tal de ENERGISA, e receberem a "orientação" de deixarem o veículo em lugar seguro e, pasmem, voltarem para a empresa a pé, em meio às barreiras e aos escombros dos deslizamentos da noite anterior. Isso porque a empresa, essa tal de ENERGISA, não autorizou o pernoite dos rapazes na pousada. Céus! O preço impagável de duas vidas! Vê-los caminhando ao anoitecer, indo de encontro aos restos cataclísmicos que compunham aquele cenário angustiante e aterrorizador, foi uma das cenas que mais depuseram contra a credibilidade do altruísmo humano. Nossa esperança sofreu uma curra naquele momento!
Pior do que aquilo, só as notícias que ouvíamos da rádio do carro e das poucas pessoas que insistiam teimosamente transitar pelo caos sobre a situação do centro da cidade de Nova Friburgo. Destruição, morte, dor e desespero numa das cidades mais aconchegantes do país. Escolas se transformando em necrotérios, pontos turísticos abarrotados de lama, escombros e corpos, pessoas vagando sob o astral da perda e da dor etc!
Vista da estrada Mury-Lumiar


13 de janeiro de 2011, após uma das piores noites de minha vida, senão a pior, eis que a esperança enfim se torna a nossa maior sensação até então! Ouvem-se barulhos de máquinas ao longe. Melhor! Vêem-se operários, bombeiros, técnicos etc... Estaríamos livres em menos de 24h!
Ansiedade e felicidade nunca se deram tão bem em minha vida. Mas ainda havia apreensão, aquela que um torcedor sente já nos acréscimos do jogo quando o seu time está a um apito da vitória na final de um campeonato, mas podendo ainda sofrer um revés que lhe poria tudo a perder! Era hora de torcer mais que nunca!
Defesa Civil de Casemiro de Abreu
Perecia que todos os gols sofridos, todas as bolas na trave, todas as faltas e todos os erros de arbitragem ficaram para trás e até valeram à pena! Em breve, poderíamos sair campeões, depois de tanto sofrimento e apreensão!
Prefeito de Casemiro de Abreu
14 de janeiro de 2011, enfim o apito final. Faltava, então, a entrega da taça e a faixa de campeão. De meros torcedores viramos homenageados, até o prefeito da cidade vizinha veio nos visitar junto com sua equipe de paladinos salvadores.
São Volvo
Então, veio a notícia, em 30 minutos estaríamos livres, um milagre operado pelo São Volvo e seu poder hidráulico!
Por volta das 11h 30min já estávamos no caminho de volta as nossas vidas usuais, deixando para trás um rastro de angústia, desespero e drama. Saíamos de lá, mas aquele lugar nunca mais sairá de nós!
Sempre ouvi falar de acidentes naturais, grandes catástrofes e tragédias ambientais. Mas nunca havia presenciado uma de tão perto. É estranhamente terrível! Pior, parece que, mesmo estando a salvo, nunca estarei livre dela. Ainda posso sentir o temor daquele evento funesto através do grito silencioso daqueles que não cheguei a ver, mas que os deixei para trás e das notícias que invadem as mídias que me cercam.

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